Foi-me proposto escrever umas linhas, sobre a intenção da Câmara Municipal de Santarém contratualizar com o Sport Lisboa e Benfica, a instalação da Casa do Benfica, no Jardim da Liberdade, em Santarém.
Como nota prévia devo esclarecer que fui desportista de competição e sou adepto benfiquista. Considero o SLB uma grande Instituição desportiva, que extravasa em muito o âmbito da sua SAD e dos interesses do futebol profissional.
Contudo a minha qualidade de adepto, não me inibe de avaliar a vida em geral de acordo com critérios éticos, de cidadania, de objetividade, longe de qualquer facciosismo.
Porque…
Também sou Português, Cidadão e militante do Estado de Direito Democrático, da causa Publica, da dignidade Humana e de uma Cidadania exercida em Liberdade, no respeito integral pelo próximo, o outro, o diferente, ou o adversário.
É nessa qualidade de Cidadão, que aqui estou a prestar o meu depoimento e protesto em relação à eventual concessão, a uma Associação de Direito privado, de um Espaço Publico construído e pago com dinheiros públicos, para servir todos os Cidadãos.
Vivemos numa sociedade confrontacional, dividida em clãs e tribos que tristemente se enfrentam e agridem de múltiplos modos, como se de inimigos se tratassem.
Esta é a realidade objectiva da vida, entre grande parte dos adeptos das tribos, sejam elas de futebol, da política ou das religiões.
Por mais que gostássemos que a realidade fosse outra, esta é a que temos.
O conceito de CASA é antagónico de Espaço Publico.
Casa em Direito Constitucional é um espaço que não é franqueado ao Publico, como são os escritórios, a residência ou os espaços comerciais.
A meu ver no que respeita aos espaços comerciais, neste caso incompatibilidade com espaço publico agudiza-se e torna-se inconciliável, quando esse espaço, é posse de uma marca, de uma bandeira e de um hino, que representa uma parte da população, grande ou pequena, maioritária ou minoritária. Seja ela uma parte dos adeptos desportivos ou do futebol profissional, de uma religião ou de um determinado grupo representativo de interesses económicos ou profissionais.
Por estas razões, a entrega ao Sport Lisboa e Benfica, Instituição relevante e de grande mérito Nacional de que sou adepto, é absurda e não serve o interesse publico, por deixar de ser um lugar onde se exprima e viva como um Espaço de Sociedade, acessível a todos os Cidadãos, que se reúnem para formular a sua opinião em Liberdade, por ser a Casa de alguns, sejam eles muitos ou poucos.
Esta eventual ocupação pelo Benfica, ou outra qualquer instituição que represente somente uma parte da população, é ainda mais intolerável, por ser um local nobre do espaço urbano de uma Cidade, que adaptou como um dos seus símbolos a Liberdade, resultando daí o nome de Jardim da Liberdade.
A Liberdade é um Direito de todos os Cidadãos, cumpridores dos seus deveres e está intimamente ligada ao Espaço Publico, por ser esse um espaço privilegiado da Cidadania.
Já ouvi alguns que como eu munícipes de Santarém, entre eles alguns bons amigos, argumentando que aquele espaço está sem uso e estando fechado degrada-se, representa uma imagem de abandono, não servindo assim a ninguém. Assim sendo, dizem alguns, uma vez que o Benfica se apresenta como solução para o problema, perante inutilidade daquele equipamento em degradação, que se entregue por trinta anos, um território Urbano Central, de uma Cidade onde não abundam espaços públicos de convívio e de lazer.
Argumentam ainda os defensores deste caminho, que depois de dois concursos públicos sem interessados, concursos esses que desconheço os termos do clausulado, legitima o Executivo Camarário a transferir esta propriedade para a esfera privada Municipal, para assim poder agilizar a negociação com o SLB.
Resta saber se nas mesmas condições de agilidade não existem muitos interessados, que permita até um despique entre vários interessados que se apresentem, com diversos serviços de interesse e utilidade, que dêem uso publico àquele equipamento Municipal, tendo sido esse o fim para que foi concebido, projectado, construído e pago.
Entendo que a gestão deste assunto está de pernas para o ar, ou invertida, pois é à Camara Municipal de Santarém que compete definir o uso do Espaço Publico e não o seu contrario, andando a Camara, parece, a apanhar borboletas que lhe passam pela porta!
A Causa Pública, nunca poderá ser defendida, com base em argumentos do mal menor, do mais vale isto do que nada, ou pior ainda na transigência face à incapacidade de quem governa a coisa publica, em encontrar soluções plausíveis, com as suas atribuições, seja o interesse publico, onde também se inscrevem os seus símbolos e valores.
Além do mais considero também que o executivo Camarário, não tem qualquer legitimidade politica para deliberar relativamente a este assunto, por não ser tratar simplesmente de um acto de gestão e porque este assunto que adulterará o Espaço Publico não foi a sufrágio, nas Eleições Autárquicas de 2017.
Como Munícipe, gostaria muito que o Benfica, assim como outos grandes Clubes Desportivos, investissem em parceria com os Clubes da Cidade, em Espaços desportivos que sirvam a população.
O SLB terá uma excelente oportunidade reabilitando a Casa do Benfica em Santarém, que está em estado degradado, continuando e ampliando o bom serviço que tem prestado em favor da prática desportiva.
Entregar um Espaço Publico e Montra da Cidade ao Benfica, para convívios, celebrações, e venda de merchandising Benfiquistas! Não!
Se isso viesse a acontecer, considero que também em termos desportivos a ocupação pelo SLB da zona edificada do Jardim da Liberdade, em condições de vantagem face aos outros Clubes de equivalente mérito, é condenável, por ser uma vantagem competitiva indevida e injusta.
Luis Filipe Vieira, Presidente do SLB, já anunciou o feito da conquista do Jardim da Liberdade, antecipando-se à Camara Municipal de Santarem e fez saber que esta será a primeira loja deste tipo, de muitas outras que se seguirão noutras Cidades.
Alguém imaginará uma Casa do Benfica, do Sporting ou do Porto, no Espaço Publico, das Praças do Giraldo em Évora, da República em Coimbra, na Rodrigues Lobo em Leiria, na Luisa Todi em Setúbal, ou ainda nos Aliados no Porto, ou no Rossio em Lisboa?
Obviamente que ninguém imagina uma coisa destas em nenhuma outra Cidade do País e caso este projecto se concretize, Santarem ficará coberta de ridículo, numa demonstração de temor reverencial aos mais poderosos, ao glamour das luzes da ribalta, numa demonstração de incapacidade em resolver uma situação trivial como esta, em favor do Bem Comum.
Quando tivermos os GRANDES JOGOS DA NOSSA SELEÇÂO, daquela de todos nós, onde iremos torcer pela nossa Equipa, como o fizemos recentemente com alegria e são convívio? No Jardim da Liberdade? Na Casa do Benfica?!
Santarém é uma Cidade com História, bem localizada no território Nacional, com muitas potencialidades, simpática para viver tranquilamente, mas que parece ser pouco amada por quem cá vive e daí haver pouca exigência com quem a governa, com uma sociedade civil bastante conformada e pouco empenhada, no bem comum e na criação de riqueza.
As crises trazem dificuldades e sofrimento, mas são também elas que trazem novos desafios, que impõem criatividade, competência, sentido de oportunidade, que indicam caminhos, opções e objetivos, que trazem esperança e vida digna às pessoas que aqui vivem e trabalham. Projectos que fixem os melhores, que cuide dos mais vulneráveis e que traga mais e novas competências, actividade económica criadora de verdadeira riqueza e bem-estar social.
A má língua e os velhos do Restelo não servem causa nenhuma digna e válida, da mesma forma que os falsos desígnios também não são mais que uma falsa ilusão de avanço.
Séneca, pensador que viveu no início da nossa Era, disse;” Não há ventos favoráveis, se não sabemos para onde vamos.”
Haja senso, competência, empenho e postura!
Raul Caldeira
Cidadão e Munícipe de Santarém
01/04/19