A INCOMPREENSÍVEL ESPERA DE UM CADÁVER
Constituiu um choque para muitos scalabitanos, a situação impensável que aconteceu no passado sábado numa das ruas da zona nova do Sacapeito, no planalto da cidade de Santarém. Situação que nos deveria envergonhar a todos.
Resumindo o facto, passou-se o seguinte: na manhã de sábado, um cidadão, ao sair de casa a caminho do hospital, acompanhado pela esposa, caiu inanimado ainda antes de chegar à sua viatura. O INEM, entretanto chegado, declarou morte súbita e ficou o corpo a aguardar a declaração do óbito pela Delegada de Saúde, que, entretanto, só foi emitido por volta das 16 horas, altura a partir da qual o corpo ficou então à responsabilidade do Ministério Público.
As diligências seguintes cumpriram o protocolo burocrático estabelecido para essas situações, tendo sido então a morte registada como de causa desconhecida. Depois deste passo é que foi possível que o transporte do corpo fosse feito por ambulância preparada para casos deste tipo e que deveria levar o corpo para a morgue a fim de ser autopsiado, o que só aconteceu já de noite, pois só em Benavente existe uma ambulância apropriada.
Com a deteção e acompanhamento de vários casos Covid 19, no concelho, a senhora Delegada de Saúde fez porventura muitas visitas relacionadas com a doença, durante esse dia e só teve acesso ao relatório do INEM durante a tarde.
Estes dois factos vêm contribuir para o estado de indignação dos milhares de comentários e observações feitos nas redes sociais – alegadamente a demora incompreensível e o facto de só a ambulância de Benavente ser equipada para uma diligência deste tipo.
Mas, para além deles, talvez seja também de considerar os procedimentos excessivamente burocráticos – só porque a legislação e os protocolos o determinam – nas várias fases de execução deste processo, cada uma com os seus responsáveis respetivos (e com um corpo na via pública, durante mais de 10h…), podendo levar-nos a supor situações perto da negligência ou incompetência de alguém dentro deste enovelado sistema.
O que aconteceu é muito grave e deve ser explicado publicamente (e responsabilidades?), pelo menos para conhecermos o que se passou e para prevenir situações futuras. A cidadania e a democracia assim o exigem.
Exige-se em contextos e situações destas que os responsáveis tomem as suas decisões na hora certa, contra aquilo que é a cegueira de um sistema gerido por protocolos rígidos, mesmo considerando o Estado de Emergência do País.
Sendo suposto vivermos num primeiro mundo, onde os mais elementares direitos humanos são observados, onde todos os homens e mulheres deveriam ser tratados com dignidade e onde todos teriam o direito de também terem uma morte digna, ficamos alarmados quando nos deparamos com aquilo que se passou neste dia 21 de março de 2020.
A já grande dor de uma família, não pode ser brutalmente agravada desta maneira.
Santarém, 24 de março de 2020